2007-01-29

Resposta aos argumentos de Ruy Caldas

Ruy Caldas apresentou num post abaixo vários argumentos bastante correctos, os quais passo a rebater.

1) É verdade que existem hoje vários métodos contraceptivos, mas todos esses métodos falham. Suponha-se uma mulher que tem trinta anos de fertilidade, durante os quais tem uma relação sexual por semana.
Faz 30 x 52 = 1560 relações sexuais. Suponha-se que, dessas relações sexuais todas, apenas 1/8 acertam no período fértil da mulher: faz 1560 / 8 = 195 relações sexuais certeiras. Suponha-se que essa mulher confia na pílula como método contraceptivo. A pílula tem uma eficácia teórica de 99,5%. Quer isto dizer que em 0,5% = 1/200 dos casos falha. Obtemos assim que a mulher acima descrita irá ter, com boa probabilidade e em média, uma gravidez indesejada!

Isto é um caso ideal, claro. Na prática, às falhas da pílula há que acrescentar falhas humanas (a mulher esquece-se de tomar a pílula) e falhas ocasionais (diarreias, interacções com outros medicamentos, etc, que podem eliminar o efeito da pílula).

Obtemos assim que há uma probabilidade razoavelmente alta de que um casal, mesmo usando contraceptivos com todo o cuidado exigível, acabe por obter uma gravidez indesejada.

É por isso que, se se quer ter um eficaz controle de nascimentos, tem sempre que se tolerar o aborto como solução de recurso.

2) É verdade que a despenalização do aborto é uma solução facilitista.
A mulher não tem que apresentar quaisquer razões para abortar, e pode decidir fazê-lo por motivos (na minha opinião) perfeitamente fúteis.
Mas não há outra forma razoável de garantir que a mulher obtenha o direito de controlar a sua fecundidade. De facto, proibir o aborto, como na lei actual, também é uma solução facilitista - a mulher é proibida de abortar, mesmo que tenha excelentes razões para o fazer!
A solução ideal, que seria ter um "tribunal" de pessoas muito razoáveis, que perguntassem à mulher quais as razões pela qual ela desejava abortar e lhe permitissem, ou não, levar o aborto a cabo, é uma solução inviável - quem seriam os "juízes" desse tribunal? Qual de nós se sente capaz de decidir sobre a vida de outra pessoa? Quem de nós é "Deus" e se arroga o direito de decidir se a uma mulher deve ser facultado ou proibido o aborto?

Sendo a solução ideal inviável, só resta uma das soluções facilitistas.
A solução em que à mulher é permitido julgar se pode ou não levar a gravidez a termo é a melhor, pois permite que haja pelo menos um ser supostamente racional - a mulher - a decidir, em vez de se ir por uma solução cega, como o é a proibição total de abortar.

3) Porque é que se põe um limite artificial ao aborto nas dez semanas de gravidez, e não nas 20 ou 30 ou 40? Basicamente, porque em toda a lei tem que haver um compromisso razoável. Porque é que nas auto-estradas é proibido circular a mais de 120 à hora, em vez de o limite ser 100, ou 140, ou 200? Porque é que o limite de álcool no sangue para a condução é de 0,8 g/l, em vez de ser 0,2, ou 1,0, ou 2,5? A resposta é sempre a mesma: tem que haver um compromisso. Embora seja muito perigoso conduzir numa auto-estrada, ou conduzir sob o efeito do álcool, isso não é proibido - apenas se impõem limites. Os limites são mais ou menos artificiais, mas são necessários.

No caso vertente, o sistema nervoso central do feto forma-se já depois das 10 semanas. Às 10 semanas, o feto é um ser sem sistema nervoso, sem sensações de dôr nem qualquer consciência de si mesmo. Matá-lo nessa idade parece pois menos irrazoável do que fazê-lo às 20 ou 30 semanas.

Luís Lavoura