2007-01-23

Razões de um voto - 3

Os grandes argumentos a favor da liberalização da IVG até às 10 semanas, pelo menos os que são publicamente assumidos, fundam-se em duas alegações: uma, aquela que aponta a injustiça da prisão da mulher que aborta, outra, o enorme número de mulheres que arriscam a vida por serem "obrigadas" a recorrer ao aborto clandestino. A primeira traduz, na prática, uma falácia, porque não há qualquer mulher presa em Portugal (segundo os dados que são públicos) por ter praticado a IVG. De qualquer maneira, e por princípio ético, não seguirei esta via porque a situação exposta não representa o que eu penso. Correndo o enorme risco de me repetir, tenho para mim que o aborto constitui um crime tanto mais hediondo quanto o facto de a vítima ser um dos seres mais indefesos que podemos imaginar. E como crime que é, não tenho qualquer dúvida que deve ser devidamente penalizado e quer a mulher que o praticou quer qualquer pessoa que a tenha auxiliado (incluindo o pai do feto) cominados consequentemente. Não entendo porque há-de a mulher, só pela razão do seu género, ser moral e socialmente absolvida quando pratica um crime. O facto de ser mulher não iliba nem desculpa práticas e comportamentos que devam ser pela sociedade reprovados. No fundo, a despenalização da IVG tem por fundamento as mesmas premissas da lei das quotas, só que aplicadas numa situação exponencialmente mais trágica.
Quanto à segunda ordem de razões, o argumento invocado pressupõe uma premissa falsa: nenhuma mulher é obrigada a abortar (excluindo a possibilidade de ser por outrém a tal coagida, ocorrência que integrará outra tipificação criminal e que se não insere nesta discussão). Nenhuma situação da vida obrigará, de forma absoluta, a mulher a abortar. Quanto muito, a mulher poderá concluir que a sua vida seria substancialmente menos penosa se não tivesse engravidado. Mas tal facto não deve nem pode colocar a mulher numa situação em que não tem outra opção se não abortar. Aliás, melhor faria o estado se em vez de seguir o caminho mais fácil, que no caso é o mais horrendo, criasse as condições para que em primeiro lugar a mulher estivesse devidamente preparada para evitar a gravidez indesejada e em segundo lugar a mulher grávida fosse apoiada, estimulada e acarinhada na prossecução da sua gravidez. Depois, duvido muito do "facto" de ser avassalador o número de mulheres que entram nas urgências em perigo de vida devido a um aborto ("facto" que apesar de não ter tradução em números por qualquer estudo é bovinamente aceite como verdadeiro). As técnicas para efectuar um aborto (tanto quanto se pode perceber da variadíssima informação que circula) são bem mais inócuas que aquelas que eram utilizadas há algumas dezenas de anos. Uma mulher que queira abortar tem à sua disposição um sem número de fármacos que a podem ajudar na concretização desse objectivo e cujos efeitos secundários não atingem as proporções que nos pretendem fazer crer (não quero, obviamente, com isto fazer a apologia de uma prática que considero profundamente vil, mas apenas demonstrar a fragilidade do argumentado). O que já não é tão inócuo são as consequências psíquicas e emocionais da realização de um aborto. O sentimento de culpa, a enorme tristeza e os remorsos que as mulheres experimentam (nem todas, obviamente) depois de efectuarem um aborto são consequências que perdurarão para o resto da vida. E esta é uma realidade que nem o SNS nem a mais luxuosa das clínicas privadas conseguirão mitigar.