Há basicamente duas razões para se despenalizar o aborto.
A primeira razão é que temos que reconhecer o direito ao planeamento familiar, isto é, ao controle dos nascimentos. Independentemente de gostarmos ou não desse direito, ele é exigido por grande parte das pessoas - e, se as pessoas EXIGEM ter esse direito, numa sociedade democrática, ele tem que ser concedido. As pessoas querem controlar a sua fertilidade, querem ter filhos quando lhes convém e só aqueles que lhes convém.
Ora, o aborto é uma NECESSIDADE para um planeamento familiar eficaz, porque todos os métodos contraceptivos falham. Falhas técnicas ou falhas humanas, não importa: o que é certo é que falham. As pessoas não admitem, não podem admitir, que o seu planeamento familiar vá por água abaixo devido a uma falha - porque a mulher se esqueceu de tomar a pílula um só dia, porque o preservativo se rompeu, porque a mulher teve uma diarreia depois de ter tomado a pílula, etc.
A contracepção e a educação sexual NÃO SÃO substitutos do aborto. Mesmo em sociedades muito evoluídas e civilizadas, como a holandesa ou a alemã ou a sueca, nas quais as pessoas têm muita educação sexual e praticam generalizadamente a contracepção, continua a haver imensas gravidezes indesejadas. Portanto, a possibilidade de abortar é sempre necessária, como solução de último recurso. É espúrio pensar que, mediante uma intensificação da educação sexual, o aborto se tornará desnecessário. Isso nunca se verificou em nenhuma sociedade.
A segunda razão é que não há nenhuma razão clara, numa perspectiva liberal, que é a minha, para que o aborto seja um crime.
Há duas razões para os crimes que são reconhecidos no código penal de uma sociedade. Uma razão, a mais frequente, é preservar o bom funcionamento da sociedade. É por isso que, em geral em todas as sociedades, o homicídio ou o roubo são considerados crimes. Outra razão, muito menos frequente, é um simples código moral, a preservação de certos costumes da sociedade. É por isso que, em certos países, é proibido servir carne de cão nos restaurantes, ou é proibido vender casacos feitos com pele de gato, ou é proibido tourear touros, ou é proibido abortar. No caso destas leis, não há qualquer prejuízo social óbvio na sua eliminação - a sociedade não entra no caos e na insegurança se as pessoas comerem carne de cão, usarem peles de gato, fizerem touradas, ou abortarem. Trata-se apenas de codificar como crimes certas práticas que a grande maioria das pessoas na sociedade considera moralmente repugnantes.
Esta segunda razão é muito frágil, pois que se apoia apenas no julgamento moral da maioria. Numa sociedade liberal, as maiorias devem ser postas
No caso do aborto, a questão é ainda mais dramática, uma vez que não há na nossa sociedade uma maioria expressiva de pessoas que o condene. Como se vê pelas estatísticas da sua prática, e pela generalizada cumplicidade existente - quase todas as mulheres ou já praticaram aborto, ou conhecem e ajudaram activamente quem já o tenha praticado - não há na nossa sociedade uma rejeição moral maioritária do aborto. As pessoas não falam do assunto - mas, se forem confrontadas com ele, não o acusam, nem estigmatizam a mulher que abortou. Há compreensão pelo fenómeno. Nestas condições, manter uma lei que condena o aborto apenas por motivos morais, não faz qualquer sentido.
Luís Lavoura
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