2007-01-20

Mais uma vez os portugueses são convocados a um referendo para alargar a despenalização do aborto. Já temos em Portugal, desde 1984, uma lei que não penaliza o aborto nos seguintes prazos e circunstâncias: até às 12 semanas de gravidez, se houver perigo de morte ou grave lesão para o corpo e a saúde da mulher; até às 24 semanas, quando for previsível que a criança venha a sofrer de grave doença ou malformação congénita, incuráveis; até às 16 semanas, em caso de ofensas sexuais como violação ou incesto; sem prazo limite, se for o único meio de remover perigo de morte ou de irreversível lesão para o corpo e a saúde da mulher.


Em 28 de Junho de 1998 a pergunta posta a referendo foi esta, e será a mesma no próximo dia 11 de Fevereiro:
“Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada por opção da mulher nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?”
A resposta maioritária foi NÃO. Mas, logo na noite dos resultados, alguns políticos prometeram que voltariam a repor o assunto. Esta promessa não a deixaram eles por cumprir. Em Abril de 2005 a Assembleia da República aprovou um projecto de lei que despenaliza a interrupção da gravidez “a pedido da mulher”, até às 10 semanas. Mas não só. Nesse mesmo projecto de lei aprovado, a que o próximo referendo se reporta, há uma alínea que alarga a despenalização, “por razões de ordem económica e social”, - até às 16 semanas. Contudo, a pergunta que irá ser apresentada a referendo fala apenas do caso “a pedido” ou “por opção” da mulher, até às 10 semanas. Se o “sim” for maioritário e o projecto de lei aprovado se transformar sem alterações em lei da República, isto significa o seguinte: Que os cidadãos irão votar as 10 semanas mas – sem o saberem – também estarão a autorizar as 16 semanas “por razões de natureza económica ou social”… Como estas “razões” também, evidentemente, não excluem o “pedido” e a “opção”, a liberalização do aborto pode vir a estender-se na prática até às 16 semanas, prazo que se mantém nos casos de violação.
O que é que sucedeu na realidade do mundo nestes quase nove anos de intervalo que justifique alterar a lei actual e permitir o aborto “a pedido” ou por mera “opção”? Não se sabe. O que se sabe é que, já desde Maio de 2002, a mesma Assembleia da República aprovou que se encomendasse a realização de um estudo cientificamente credível sobre a situação do aborto clandestino; sabe-se que até hoje o estudo continua por fazer, mas que no orçamento da Assembleia para 2007 ainda há provisão de verba para tal estudo… Isto é: primeiro aprovam-se leis e fazem-se referendos, depois encomendam-se estudos! Sabe-se também dos números sobre abortos clandestinos divulgados por grupos e instituições interessadas na despenalização do aborto, como sejam clínicas privadas estrangeiras que neste momento têm já no ministério da Saúde pedidos de autorização para operarem no nosso país. E o que mais se sabe é o mesmo que sempre se soube. Que há uma realidade clandestina feita de conhecimentos pessoais, apartamentos privados e de um segredo cúmplice que interessa a todas as partes envolvidas manter o mais possível. Que há situações pessoais muito dolorosas em que as mulheres se encontram, às vezes ainda jovens de menor idade, abandonadas ou ameaçadas por companheiros e familiares próximos. Que há violações e relações incestuosas, situações de tal modo chocantes que à primeira vista são sentidas como insuportáveis ou desesperadas. Mas também, quantas vezes, apenas leviana inconsciência, insensibilidade moral e comodismo egoísta. Compreende-se que se pense fazer e se façam abortos. Tudo isso se sabe, como também se sabe que os contraceptivos se encontram disponíveis e baratos por toda a parte, e que para casos de imprevista necessidade ou mero “descuido” as “pílulas do dia seguinte” são acessíveis gratuitamente nos centros de saúde, hospitais ou farmácias, até sem receita médica.
Mas as situações más da vida não tornam um bem aquilo que o aborto faz. Seja numa clínica privada, seja num hospital público ou seja numa casa particular (com menos segurança mas mais privacidade), aquilo que o aborto faz não é apenas “interrupção da gravidez”. O que está em questão neste referendo não é simplesmente tornar lícito que, “a pedido” ou “por opção”, a mulher possa interromper um problema apenas seu ou livrar-se de aborrecimentos e incómodos apenas seus. O que está em questão possibilita optar por interromper uma vida que não é dela.
Nenhum cientista e nenhum médico honestos podem negar aquilo que hoje as ecografias puseram à vista de todos os que não queiram ver apenas os seus problemas: às 10 semanas, como desde a primeira hora, está vivo um novo ser humano, que não é nenhuma parte do corpo da mulher que o traz em si. Há um novo ser humano vivo que pesa cerca de 15 gramas, que tem cerca de 5 centímetros de comprimento, com músculos nos membros, no tronco e na face; tem olhos, orelhas, ouvidos, abre e fecha a boca; nas mãos, já tem as impressões digitais que conservará pelo resto da sua vida; o sistema cardiovascular já está desenvolvido e o pequeno coração bate cerca de 175 vezes por minuto. Está vivo e é em tudo semelhante ao que cada um de nós era quando tínhamos aquele tempo de vida. Portanto, por mais que custe ou não interesse a alguns encarar esta realidade, aquilo que o aborto faz é matar a vida de um novo ser humano, e que não tem culpa nenhuma das situações aborrecidas em que os outros se metem ou são metidos. Mais: não apenas sem culpa, mas completamente indefeso e à mercê do que os outros lhe queiram fazer. E não tenhamos medo de chamar a realidade nua e crua pelo seu nome: agir alguém de maneira a procurar matar a vida de um ser humano chama-se homicídio. É este o preço que custa o garantir antes do mais e acima de tudo os direitos da mulher à “autodeterminação sexual” e à “maternidade consciente”, como se ela não tivesse autodeterminação e consciência antes de ter relações sexuais; como se os seus companheiros e familiares próximos não existissem; como se houvesse algum direito a dispor da sua vontade sem o dever de respeitar a vida de outros, cujo único “mal” é existirem sem culpa nenhuma disso.
Se o aborto implica a morte de um ser humano indefeso e que não ameaça a vida de ninguém, é racionalmente compreensível e moralmente exigível que o Estado e a Lei não se demitam do dever de defender por todos os meios legítimos as vidas de todos nós, e primeiro que tudo as vidas dos menos culpados e mais indefesos. O Estado, os governos, os tribunais e a polícia existem e justificam-se precisamente para assegurarem esse direito básico a viver a sua vida quem não faz mal nenhum. O que não há é direito ou razão nenhuma médica, social ou moral para defender a despenalização do aborto a pedido até às 10 semanas e depois criminalizá-lo às 11, 12 ou mais semanas. Portanto, se vencer o “sim” no referendo e a nova lei for cumprida, nem por isso as mulheres deixarão de poder ser acusadas e julgadas em tribunal. Mas se por simples “pedido” ou mera “opção” o aborto for liberalizado, o certo é que aumentará o número de abortos legais; os clandestinos, que em nenhum país se demonstrou que tivessem diminuído, não desaparecerão porque sempre garantem maior segredo; e dá-se à sociedade a ideia de que o aborto pode ser mais um método contraceptivo “de emergência”, igual a outros, com menosprezo da vida humana inocente.

Concidadã / Concidadão:
É do teu interesse, é do interesse de todos nós, a defesa do direito fundamental à vida e o dever de a proteger. É do interesse de todos nós que a nossa sociedade seja menos injusta. Não podemos escandalizar-nos que as crianças, depois de nascerem, sejam vítimas de pedófilos, e não nos escandalizarmos que, antes de nascerem, sejam mortas. É do teu e do nosso maior interesse que o poder público do Estado esteja ao serviço dos mais fracos e não dos interesses e direitos dos mais fortes. Se o aborto é um homicídio, isso equivale a não penalizar o homicídio dos mais pequeninos e fracos dos seres humanos. Considera bem a situação em que hoje está a nossa sociedade portuguesa e o estado da justiça no nosso país. Não deixes, com a tua abstenção, que venham alargar os prazos e facilitem os casos em que se pode fazer o mal. Não penses que a lei não obriga ninguém a abortar. Não obriga, mas permite. A liberdade de abortar é licença para matar. Não deixes de lembrar aos mandantes políticos que ao menos tu ainda não toleras que a lei dos mais fortes triunfe sobre os mais fracos – e ainda não abdicaste de defender a JUSTIÇA.

PEDRO ISIDORO